Diabetes e obesidade não caminham sozinhas — elas aceleram o desgaste das artérias, aumentam a inflamação e multiplicam o risco de infarto, AVC e insuficiência cardíaca. A boa notícia é que hoje dispomos de estratégias eficazes — do estilo de vida a medicações modernas — que reduzem eventos cardiovasculares e protegem rins e fígado. No Brasil, a obesidade já atinge 24,3% dos adultos, reforçando a urgência de ações preventivas lideradas também pelo cardiologista.
Por que diabetes e obesidade importam para o coração
- “Inflamação + resistência à insulina + pressão alta”: esse combo danifica a parede dos vasos, favorece placas de gordura e trombose — a base do infarto e do AVC. Diretrizes brasileiras colocam o controle de peso, glicemia, pressão e colesterol como eixos centrais da prevenção.
- Cargas de risco somadas: quanto maior o IMC e pior o controle glicêmico, maior a chance de eventos “duros” (morte CV, infarto, AVC). Ensaios contemporâneos mostram que tratar o metabolismo muda desfecho, não apenas números de exames.
Medicações que comprovadamente mudam o prognóstico cardiovascular
1) Agonistas de GLP-1 (ex.: semaglutida, liraglutida) e duplo agonista GIP/GLP-1 (tirzepatida)
- Para que foram testadas: diabetes tipo 2; depois, controle de peso e prevenção CV em populações de alto risco.
- O que já sabemos para cardiologia:
- Semaglutida 2,4 mg (em pessoas com sobrepeso/obesidade sem diabetes, mas com doença cardiovascular): reduziu em 20% o risco combinado de morte CV, infarto e AVC (SELECT).
- Liraglutida (LEADER) e semaglutida 1,0 mg (SUSTAIN-6) reduziram MACE em diabéticos com alto risco.
- Tirzepatida: promove perda de 15–21% do peso em 72 semanas (SURMOUNT-1). Estudo de desfecho CV dedicado (SURPASS-CVOT) comunicou desempenho ao menos não inferior a dulaglutida (com benefício já conhecido), com divulgação científica completa em andamento.
- Rim e fígado:
- Semaglutida reduziu desfechos renais e CV em DRC diabética (FLOW).
- Em MASH (esteato-hepatite metabólica), semaglutida mostrou benefícios histológicos em ensaios fase 2 e sinal positivo em fase 3.
- Efeitos colaterais e alertas:
- Gastrintestinais (náuseas, refluxo, constipação) são os mais comuns; risco aumentado de doença da vesícula/biliar em uso prolongado e altas doses (mais quando o objetivo é emagrecer).
- Pancreatite aguda: meta-análises recentes não mostram aumento significativo com semaglutida; ainda assim, dor abdominal intensa exige avaliação.
2) Inibidores de SGLT2 (ex.: empagliflozina, dapagliflozina)
- Para que foram testados: diabetes tipo 2; depois, insuficiência cardíaca (com e sem diabetes) e doença renal crônica.
- O que já sabemos para cardiologia e nefrologia:
- Empagliflozina (EMPA-REG OUTCOME) reduziu morte cardiovascular em 38% em T2D de alto risco.
- Dapagliflozina (DAPA-HF) reduziu piora de IC/morte CV em fração de ejeção reduzida independentemente do diabetes; benefícios também em IC preservada.
- DAPA-CKD/EMPA-KIDNEY: proteção renal robusta, com menos progressão de DRC e menos morte CV.
- Efeitos colaterais e alertas:
- Infecções genitais (aumentam até ~3–5×); cetoacidose euglicêmica é rara, mas motivo de atenção em jejum prolongado, cirurgia e álcool excessivo.
3) Metformina e outras opções
- Metformina segue como primeira linha em diabetes tipo 2 (salvo contraindicações), ajuda no peso e tem perfil de segurança maduro; impacto direto em MACE é modesto comparado a GLP-1/SGLT2, mas sinérgica com eles conforme SBD 2025.
- Outras terapias antiobesidade podem ser consideradas caso a caso (p. ex., orlistate, combinações), porém sem o mesmo corpo de evidência cardiovascular das classes acima — decisão deve ser individualizada.
Benefícios além do coração (sistêmicos)
- Rins: GLP-1 (semaglutida) e SGLT2 (dapagliflozina/empagliflozina) retardam a progressão da DRC e reduzem morte CV.
- Fígado: perda de peso sustentada melhora esteatose; semaglutida mostra melhora de MASH em estudos controlados.
- Sono e pressão arterial: emagrecer reduz apneia e pressão, somando proteção vascular. (Alvos previstos em diretrizes nacionais.)
“Uso estético” x tratamento médico: onde mora o risco
Caminho prático: como o cardiologista pode (e deve) liderar
- Avaliação integrada de risco (escore + IMC/circunferência abdominal + A1c + perfil lipídico + pressão arterial).
- Plano em camadas (mudança do estilo de vida, depois farmacoterapia e, quando indicado, procedimentos): metas realistas de perda de peso e de A1c, preferindo classes com benefício CV/renal (GLP-1, SGLT2).
- Monitorização de segurança: titulação lenta de GLP-1, educação sobre sintomas biliares/pancreáticos; em SGLT2, higiene íntima, hidratação e suspender antes de cirurgias/jejuns para reduzir risco de cetoacidose.
- Cuidado contínuo e multiprofissional (nutrição, atividade física, saúde mental e sono), com o cardiologista coordenando a prevenção de eventos “duros”.
Diabetes e obesidade não precisam ditar o futuro do seu coração. Com mudanças de estilo de vida, medicações certas e acompanhamento próximo, é possível reduzir infartos e AVCs, proteger rins e fígado e ganhar anos de vida com qualidade. Se você luta com o peso, tem pré-diabetes ou diabetes, procure seu cardiologista: juntos, dá para traçar um plano que funcione para você — com segurança, metas claras e foco no que importa: viver mais e melhor.
Bibliografia
- Lincoff AM, et al. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity (SELECT). N Engl J Med. 2023.
- Marso SP, et al. Liraglutide and Cardiovascular Outcomes in T2D (LEADER). N Engl J Med. 2016.
- Gerstein HC, et al. Dulaglutide and CV outcomes (REWIND). Lancet. 2019.
- Zinman B, et al. Empagliflozin (EMPA-REG OUTCOME). N Engl J Med. 2015.
- McMurray JJV, et al. Dapagliflozin in HFrEF (DAPA-HF). N Engl J Med. 2019.
- Heerspink HJL, et al. DAPA-CKD. N Engl J Med. 2020.
- Perkovic V, et al. FLOW – Semaglutide in T2D with CKD. N Engl J Med. 2024.
- He L, et al. GLP-1 RAs e doença biliar (metanálise). JAMA Intern Med. 2022.
- D’Andrea E, et al. Segurança SGLT2: infecções genitais e DKA. JAMA Intern Med. 2023.
- Diretriz SBD 2025: Tratamento da Obesidade e Prevenção de Doença Cardiovascular. Sociedade Brasileira de Diabetes. 2025.
- Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular – SBC. Arq Bras Cardiol. 2019.
- Vigitel Brasil 2023 – Ministério da Saúde. 2024.