anabolizantes-uso-indiscriminado

Anabolizantes esteroides e seu coração: riscos reais que muita gente subestima

Introdução:
O coração não “vê” likes nem números na balança. Enquanto o espelho pode mostrar músculos maiores, o uso de anabolizantes esteroides silenciosamente aumenta a pressão arterial, altera o ritmo do coração e pode danificar as artérias coronárias — muitas vezes em pessoas jovens e aparentemente saudáveis. A boa notícia? Informação correta salva vidas. Vamos direto ao ponto.


O que são anabolizantes e por que são usados?

“Anabolizantes” são versões sintéticas do hormônio testosterona. Em medicina, têm indicações específicas. Fora do consultório, são usados para ganhar massa muscular e reduzir gordura em menos tempo, geralmente em doses muito acima das terapêuticas e combinados (“ciclos”) com outras substâncias. Esse uso recreativo/estético não é seguro, especialmente para o sistema cardiovascular. American College of Cardiology


O que os anabolizantes fazem com o sistema cardiovascular?

De forma didática:

  • Aumentam a pressão (retenção de sal/água e estímulos vasoconstritores).
  • Pioram o perfil de gorduras no sangue e “engrossam” o sangue, facilitando a formação de coágulos.
  • Engrossam e enrijecem o músculo cardíaco, atrapalhando a contração e relaxamento.
  • Lesam a circulação coronariana (as artérias que irrigam o coração). PMC+1

Principais riscos cardiovasculares (em linguagem simples):

1) Hipertensão arterial

Em um estudo prospectivo com 100 usuários (estudo HAARLEM), a pressão subiu em média ~7/3 mmHg durante o ciclo, e 41% ficaram hipertensos nesse período — mesmo sendo jovens e treinados. Após parar, a pressão voltou ao basal, mas o dano acumulado pode não ser totalmente previsível a longo prazo. PMCWiley Online Library

2) Arritmias (palpitações, fibrilação, risco de morte súbita)

O remodelamento do coração e a instabilidade elétrica aumentam o risco de arritmias. Revisões e séries de casos associam os anabolizantes a arritmias graves e morte súbita em usuários jovens, principalmente quando combinados com outras drogas estimulantes. PMCPubMed

3) Infarto e trombose

Além de piorarem o perfil de colesterol e viscosidade do sangue, os anabolizantes estão ligados a disfunção da microcirculação coronária. Em 2024, um estudo com 90 homens mostrou que a perfusão coronária estava reduzida tanto em usuários atuais quanto em ex‑usuários — e esse problema persistiu mesmo após parar; cada dobro de tempo acumulado de uso aumentou o risco de microcirculação comprometida. PMC

4) Insuficiência cardíaca (fraqueza do coração)

Clássico estudo comparando halterofilistas usuários x não usuários encontrou fração de ejeção (força de bombeamento) menor nos usuários: mediana 50,6% vs 59,1%, com 10/12 usuários abaixo do normal — sinal de disfunção que pode evoluir para insuficiência cardíaca. PubMed

5) Alterações estruturais no coração (espessamento, fibrose)

Pesquisas recentes em usuários de longo prazo mostram cardiomiopatia biventricular (dois ventrículos afetados), inclusive em ex‑usuários — ou seja, parte do dano pode persistir após a suspensão. Estudos também demonstram pior função vascular (arteriais “menos reativas”) em jovens usuários. Oxford AcademicNature


Outros impactos sistêmicos relevantes

  • Fígado: muitos anabolizantes são hepatotóxicos e podem causar disfunção hepática, lesões e até tumores hepáticos em uso prolongado. NCBIPMC
  • Hormonais e reprodutivos: após parar, é comum a hipogonadismo prolongado (testosterona baixa) com queda da libido, disfunção erétil e infertilidade, em alguns casos por anos. PMC+1
  • Psicológicos: o uso está ligado a alterações de humor, irritabilidade/agressividade e sintomas depressivos; meta‑análise de ensaios demonstrou aumento de agressividade com AAS. PMCScienceDirect

“Mas eu sou jovem e treino, então estou protegido?” — Não.

Muitos jovens e adultos subestimam os perigos por não terem doenças “visíveis”. No entanto, a ciência mostra lesões cardíacas e vasculares em usuários recreativos, inclusive sem sintomas e que podem persistir após a suspensão. O achado de microcirculação coronariana alterada em ex‑usuários e a presença de cardiomiopatia em estudos recentes reforçam que uso estético/recreativo não é seguro. PMCOxford Academic


Sinais de alerta que exigem avaliação

  • Falta de ar ao esforço, palpitações, dor no peito ou tonturas/síncopes.
  • Queda repentina no desempenho com fadiga desproporcional.
  • Icterícia (olhos amarelados), urina escura ou coceira intensa (possível lesão hepática).

Se você já usou anabolizantes (ou está pensando em usar), procure um cardiologista para avaliar pressão, exames laboratoriais, eletrocardiograma e ecocardiograma, e — quando indicado — avaliação com outros exames. Parar de usar e seguir um plano de cuidado personalizado reduz riscos e previne sequelas.


Conclusão

Músculo cresce rápido; o prejuízo cardiovascular pode crescer ainda mais rápido — e, às vezes, fica. Informação, prevenção e acompanhamento são as melhores “ferramentas ergogênicas” para quem valoriza saúde e performance a longo prazo. Cuide do seu coração. Se tiver histórico de uso de anabolizantes, converse com seu cardiologista: é possível mapear riscos, reverter parte das alterações e evitar complicações.


Bibliografia

  1. Baggish AL, et al. Long‑term anabolic‑androgenic steroid use is associated with left ventricular dysfunction. Circulation: Heart Failure. 2010;3:472‑476. PubMed
  2. Baggish AL, et al. Cardiovascular Toxicity of Illicit Anabolic‑Androgenic Steroid Use. Circulation. 2017;135:1991‑2002. PubMed
  3. Bulut Y, et al. Coronary Microvascular Dysfunction Years After Cessation of AAS Use. JAMA Network Open. 2024;7(12):e2451013. PMC
  4. Abdullah R, et al. Severe biventricular cardiomyopathy in current and former AAS users. European Journal of Preventive Cardiology. 2024;31(5):599‑608. Oxford Academic
  5. Tungesvik HM, et al. Impaired vascular function among young AAS users. Scientific Reports. 2024;14: (s/n). Nature
  6. Smit DL, et al. (HAARLEM). Prospective study on blood pressure, lipids and erythrocytosis during/after androgen abuse. Andrologia. 2022;54:e14372. Wiley Online Library
  7. Achar S, Rostamian A, Narayan SM. Cardiac and metabolic effects of AAS abuse on lipids, blood pressure, LV dimensions and rhythm. American Journal of Cardiology. 2010;106:893‑901. ScienceDirect
  8. Androgenic Steroids – LiverTox (NIH). Atualizado 2020. Evidências de colestase e tumores hepáticos com AAS. NCBI
  9. Kanayama G, et al. Prolonged hypogonadism after AAS withdrawal. Addiction. 2015;110:823‑831. PMC
  10. Rasmussen JJ, et al. Former AAS abusers: low testosterone and sintomas hipogonadais anos após cessação. PLOS ONE. 2016;11:e0161208. PMC

 

O que deseja encontrar?

Compartilhe