(texto educativo para pacientes)
1. Introdução: por que falar de MSALD e síndrome metabólica?
Quando falamos de “gordura no fígado” e “síndrome metabólica”, não estamos falando apenas do fígado ou de “colesterol alto”. Estamos falando de um conjunto de alterações que aumentam, de forma importante, o risco de infarto, AVC e outras doenças do coração e da circulação.
Hoje, a antiga esteatose hepática “não alcoólica” (NAFLD) passou a ser chamada de doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica, em inglês MASLD. O termo MSALD, encontrado em alguns textos, costuma se referir à mesma condição, com variação de sigla. Essa mudança de nome foi adotada por grandes sociedades de fígado dos EUA e da Europa em 2023, para deixar claro que o problema está ligado a fatores metabólicos como obesidade, diabetes e colesterol alto.
Estima-se que algo entre 25% e 38% dos adultos no mundo tenham MASLD, ou seja, gordura no fígado ligada a problemas metabólicos. A síndrome metabólica, por sua vez, é um conjunto de fatores (aumento da barriga, pressão alta, açúcar elevado no sangue, triglicérides altos e HDL baixo) que, quando aparecem juntos, multiplicam o risco de doença cardiovascular. Estudos mostram prevalência ao redor de 20% a 25% da população adulta mundial, chegando a cerca de 29% dos adultos no Brasil.
Essas duas condições andam de mãos dadas. Quem tem síndrome metabólica tem grande chance de ter gordura no fígado. Quem tem MASLD, na maioria das vezes, preenche critérios de síndrome metabólica. Em pessoas com MASLD, a principal causa de morte não é o fígado; é doença cardiovascular, como infarto, AVC e doença das artérias.
Ou seja: cuidar da síndrome metabólica e da MSALD/MASLD não é só cuidar do fígado. É cuidar do coração e da vida como um todo.
2. Como essa condição surge (origem, causas e fatores de risco)
O que é, em palavras simples?
MSALD ou MASLD é a presença de gordura no fígado em pessoas com algum fator de risco metabólico, como obesidade, especialmente acúmulo de gordura abdominal; pré-diabetes ou diabetes tipo 2; colesterol e triglicérides alterados; hipertensão; e outras alterações ligadas à resistência à insulina.
A síndrome metabólica é um conjunto de alterações. Em geral, o diagnóstico é feito quando a pessoa tem três ou mais dos seguintes critérios: aumento da circunferência da cintura, pressão alta ou em tratamento para pressão, triglicérides elevados, HDL baixo e glicemia de jejum elevada ou diabetes.
Por que isso acontece?
Em muitos casos, o ponto central é a resistência à insulina. O corpo passa a responder mal à insulina, o hormônio que ajuda a colocar o açúcar para dentro das células. Isso leva a aumento de açúcar no sangue, maior produção de gordura pelo fígado, depósito de gordura no próprio fígado e na região abdominal, alterações no colesterol e triglicérides, além de inflamação crônica de baixo grau e agressão às artérias.
Principais fatores de risco:
- Excesso de peso, principalmente gordura abdominal
- Sedentarismo
- Alimentação rica em ultraprocessados, açúcar, farinhas refinadas, bebidas açucaradas e gorduras saturadas
- Diabetes tipo 2 ou pré-diabetes
- Colesterol e triglicérides alterados
- Pressão alta
- Histórico familiar de diabetes, infarto precoce ou AVC
- Apneia do sono e ovário policístico também podem se associar
O álcool em excesso pode causar outro tipo de doença gordurosa do fígado, mas mesmo consumo moderado em quem já tem MASLD pode piorar a situação. Por isso, precisa ser avaliado caso a caso.
3. Sinais e sintomas mais comuns
Uma parte desafiadora é que tanto a MSALD/MASLD quanto a síndrome metabólica podem ser silenciosas por muitos anos.
Sintomas gerais, muitas vezes leves ou ausentes:
- Cansaço sem explicação clara
- Desconforto ou peso na parte direita do abdome
- Ganho de peso, principalmente abdominal
- Inchaço nas pernas (quando há outras doenças associadas)
- Exames de sangue alterados, como glicemia, colesterol e enzimas do fígado
Sinais ligados à síndrome metabólica:
- Aumento da barriga
- Pressão alta, às vezes com dor de cabeça, visão embaçada ou zumbido
- Manchas escurecidas em áreas de dobras, como pescoço e axilas, sugerindo resistência à insulina
Sintomas de alarme que exigem atendimento imediato:
- Dor no peito em aperto, pressão ou queimação, podendo irradiar para braço, pescoço, costas ou mandíbula
- Falta de ar intensa ou súbita
- Fraqueza súbita em um lado do corpo, dificuldade para falar ou sorriso torto
- Perda súbita de visão
- Dor abdominal intensa ou vômitos persistentes
- Inchaço súbito, falta de ar ao deitar ou ganho rápido de peso
Nesses casos, procure atendimento emergencial.
4. Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico combina história clínica, exame físico e exames complementares.
Avaliação clínica e física:
O médico mede pressão arterial, peso, altura e IMC; avalia circunferência da cintura; observa sinais na pele como acantose nigricans; e investiga hábitos alimentares, atividade física, sono, uso de álcool e histórico familiar.
Exames de sangue:
- Glicemia de jejum e hemoglobina glicada
- Perfil lipídico (colesterol total, LDL, HDL e triglicérides)
- Enzimas do fígado como TGO, TGP e GGT
- Função renal, ácido úrico e outros conforme o caso
Exames de imagem para avaliar o fígado:
- Ultrassom de abdome
- Elastografia hepática (como FibroScan)
- Ressonância magnética com técnicas específicas
Diagnóstico da síndrome metabólica:
É feito com base em diretrizes que combinam circunferência da cintura, pressão arterial, triglicérides, HDL e glicemia. Ter três ou mais critérios confirma o diagnóstico.
Quando procurar avaliação médica:
Procure se você tem sobrepeso ou obesidade, especialmente abdominal; histórico de pressão alta, glicemia alterada ou colesterol alto; diagnóstico de diabetes tipo 2; exames mostrando gordura no fígado; ou histórico familiar de infarto ou AVC precoce.
5. Tratamento
O objetivo é reduzir o risco cardiovascular e proteger o fígado, tratando a síndrome metabólica como um todo.
Mudanças de estilo de vida (base do tratamento):
- Alimentação com foco em alimentos naturais como frutas, verduras, legumes, grãos integrais, feijões, oleaginosas e peixes
- Redução de ultraprocessados, açúcar e bebidas adoçadas
- Ajuste no consumo de gorduras, priorizando gorduras boas como azeite e peixes
- Avaliação individual do consumo de álcool
- Atividade física regular, preferencialmente 150 minutos por semana de atividade aeróbica moderada
- Fortalecimento muscular duas vezes por semana
- Pequenas mudanças diárias como subir escadas e caminhar mais
- Perda de 5% a 10% do peso, quando necessário
- Tratamento de apneia do sono quando presente
- Abandono do tabagismo
- Manejo do estresse
Tratamento medicamentoso:
- Para colesterol e triglicérides: estatinas e, em casos específicos, fibratos ou ezetimiba
- Para pressão alta: inibidores da ECA, BRA, bloqueadores de canal de cálcio ou diuréticos
- Para glicemia: metformina, inibidores de SGLT2 e análogos de GLP-1
- Medicamentos específicos para fígado, em desenvolvimento ou aprovados em casos selecionados de MASH
Procedimentos:
- Cirurgia bariátrica/metabólica para casos de obesidade grave
- Procedimentos cardiológicos quando já existe doença arterial importante
6. Prognóstico e perspectiva
Quando tratada, a condição pode trazer:
- Redução importante no risco de infarto, AVC e insuficiência cardíaca
- Melhora da qualidade de vida
- Regressão da gordura no fígado em estágios iniciais
- Menor risco de cirrose e câncer de fígado
Quando negligenciada, há maior risco de:
- Doença coronariana, infarto e AVC
- Progressão para fibrose, cirrose e carcinoma hepatocelular
- Doença renal crônica e complicações metabólicas
O impacto na qualidade de vida é amplo.
O tratamento reduz limitações por falta de ar, fadiga, internações e sintomas debilitantes. Também aumenta a autonomia e reduz a ansiedade ligada ao risco cardiovascular.
7. Fechamento
MSALD/MASLD e síndrome metabólica não são culpa individual. São condições comuns influenciadas por genética, ambiente, estilo de vida moderno e acesso ao cuidado. A boa notícia é que existe muito o que fazer. Pequenas mudanças, feitas de forma consistente, somadas ao uso correto de medicamentos quando necessários, têm potencial de transformar o risco em proteção para o coração e o fígado.
Se você se identificou com alguma parte deste texto, como barriga aumentada, exames alterados, diagnóstico de gordura no fígado, pressão alta ou diabetes, vale conversar com um profissional de saúde para construir um plano seguro e individualizado.
8. Banco de referências:
Jin X et al. The new definition of metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease. Hepatology. 2025.
Younossi ZM et al. Global Consensus Recommendations for Metabolic Dysfunction-Associated Steatotic Liver Disease. Gastroenterology. 2025.
Stefan N et al. Metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease. Lancet Diabetes Endocrinol. 2024.
Targher G et al. MASLD: a systemic metabolic disorder with cardiovascular implications. Gut. 2024.
Duell PB et al. Nonalcoholic Fatty Liver Disease and Cardiovascular Risk. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2022. (AHA Scientific Statement)
Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica. Arq Bras Cardiol.
Valadares LT de S et al. Prevalence of metabolic syndrome in Brazilian adults. BMC Public Health. 2022.
Dezan MGF et al. Metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease. Arq Gastroenterol. 2025.
Sanyal AJ et al. Cardiovascular disease in patients with MASLD and MASH. Hepatology. 2024.
Diretrizes ACC, AHA- ESC sobre prevenção cardiovascular e manejo de dislipidemias